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De pioneira a líder: abrindo caminho para mulheres africanas na matemática

Marie Françoise Ouedraogo desafiou as expectativas sociais em Burkina Faso para se tornar a primeira mulher no país a obter um PhD em matemática. Agora, por meio de seu trabalho com a African Women in Mathematics Association, ela está abrindo caminho para mulheres matemáticas em toda a África.

Este artigo faz parte da série “Mulheres cientistas no mundo: estratégias para a igualdade de gênero“explorando os motivadores e as barreiras à representação de gênero em organizações científicas. Baseia-se num estudo piloto qualitativo que realizei em consulta com o Comité Permanente para a Igualdade de Género na Ciência (SCGES), com base em entrevistas com mulheres cientistas de várias disciplinas e regiões geográficas. A série é publicada simultaneamente nos sites do ISC e do SCGES. 

O interesse de Marie Françoise Ouedraogo pela matemática foi nutrido desde jovem, com o incentivo de seus professores do ensino médio e de seus pais. No entanto, sua família extensa, que desempenhou um papel fundamental em sua criação, preocupou-se com sua decisão de prosseguir com estudos longos. Como em muitos lugares ao redor do mundo, as expectativas sociais em Burkina Faso frequentemente empurram as mulheres para uma educação mais curta, casamento precoce e maternidade. Mas Marie Françoise não se deixou intimidar. "Eu amava matemática e queria ir o mais longe que pudesse", ela lembrou.

Na universidade, ela se viu entre uma pequena minoria: apenas quatro mulheres em uma classe de 100 e, eventualmente, a única mulher restante nos níveis de mestrado e doutorado. Embora seus professores a apoiassem, seus colegas homens frequentemente questionavam suas habilidades, refletindo o preconceito de gênero generalizado na academia. "Eles não aceitaram que eu estivesse aqui, estudando com eles." Apesar desses desafios, ela perseverou, determinada a se destacar em sua área e se especializou em análise funcional.

A professora Ouedraogo começou sua carreira acadêmica em 2001. Ela se lembra da surpresa de seus alunos quando ela entrou pela primeira vez em uma sala de aula: “Quando cheguei, eles pensaram que eu era uma de suas colegas”, ela diz. “Foi só quando peguei o giz e comecei a ensinar que eles perceberam que eu era a professora.” Essa reação inicial rapidamente deu lugar ao respeito, pois seus alunos reconheceram sua autoridade e perícia.

Sua carreira acadêmica progrediu por meio de um sistema baseado em mérito sob o Conselho Africano e Malgaxe para Educação Superior (CAMES), uma organização africana supranacional que supervisiona o avanço na carreira de professores universitários em países africanos. A experiência de Ouedraogo com o CAMES foi positiva, pois segue diretrizes claras para promoção com base no desempenho, sem preconceito em relação ao gênero. “Se seu arquivo atende a todas as condições, não há problema, seja você homem ou mulher”, ela diz, descrevendo a justiça do sistema que lhe permitiu subir na hierarquia e, finalmente, se tornar uma professora titular.

Plataforma pan-africana para mulheres na matemática

Em 2009, a Professora Ouedraogo participou do Congresso Pan-Africano de Matemáticos (PACOM) na Costa do Marfim, onde foi nomeada presidente da União Matemática Africana (AMU) Comissão para Mulheres em Matemática. Reconhecendo que a Comissão tinha sido amplamente inativa, ela trabalhou para revitalizá-la organizando um workshop em Ouagadougou em 2012, reunindo mulheres matemáticas africanas para discutir seus papéis no campo. “Percebi que a comissão não estava realmente 'viva'. Houve apenas um workshop em décadas. Decidi reviver as coisas organizando um workshop regional que reuniria mulheres africanas em matemática.”

Esse evento lançou as bases para uma iniciativa maior. Encorajada pelos conselhos que recebeu da European Women in Mathematics (EWM) associação, a Dra. Ouedraogo e seus colegas concluíram que as mulheres matemáticas africanas precisavam de seu próprio espaço para se organizar e advogar. Isso levou à formação da Associação de Mulheres em Matemática na África (AWMA) em 2013, com o Dr. Ouedraogo como presidente.

A AWMA fornece uma plataforma para mulheres matemáticas africanas colaborarem, compartilharem experiências e promoverem a equidade de gênero na matemática em todo o continente. Rapidamente se tornou uma organização muito ativa. “Primeiro, começamos organizando workshops nas cinco regiões da África: Leste, Oeste, Norte, Sul e Central. A cada vez, conseguimos interessar mulheres matemáticas na região e ajudamos a organizar associações nacionais de mulheres na matemática em vários países.”

A AWMA também lançou um site, com apoio financeiro do Comitê para Mulheres na Matemática (CWM) da União Matemática Internacional (IMU), para servir como um centro de recursos para mulheres matemáticas em todo o continente. Ela explica que “na época da COVID, em 2019, como não podíamos mais nos encontrar pessoalmente, criamos um webinar que acontecia uma vez por mês. Pedimos a um matemático, homem ou mulher, para dar uma palestra de uma hora. As pessoas puderam acompanhar pelo Zoom.”

Capacitação inclusiva

A AWMA também organizou workshops sobre salva, um software matemático essencial. “Já fizemos isso no Senegal, Nigéria e Uganda. Este ano [2024], vamos organizá-lo no Burundi. Talvez no ano seguinte, seja na África do Sul.” Esses eventos foram bem recebidos, com os participantes aplicando o software tanto à pesquisa quanto ao ensino. “O feedback tem sido ótimo”, diz Ouedraogo. “Os participantes regularmente nos pedem para organizar mais atividades em diferentes países, e tentamos cobrir todas as regiões da África.”

Embora a missão da AWMA seja promover o papel das mulheres na matemática, suas atividades são inclusivas. “Em workshops, a maioria dos palestrantes são mulheres”, explica Ouedraogo. “Mas entre os participantes, incluímos homens e mulheres. Especialmente se for voltado para estudantes, doutorandos ou mestrandos, garantimos que haja homens e mulheres. Não é só para mulheres, mas tentamos envolver o máximo de mulheres possível.”

Essa estratégia decorre de uma realidade prática: há relativamente poucas mulheres matemáticas na África, e muitas estão isoladas de posições de tomada de decisão. “Ao organizar atividades, é desafiador garantir financiamento sem a participação masculina”, diz Ouedraogo. Ela reconhece que, como mulheres e homens trabalham juntos diariamente em laboratórios e salas de aula, “se os excluirmos, eles podem criar obstáculos. Então, é melhor envolvê-los e colaborar.”

Tornar as mulheres africanas na matemática visível

A AWMA também está promovendo ativamente modelos e aumentando a visibilidade das matemáticas africanas por meio de várias iniciativas, incluindo a publicação de um folheto com retratos de matemáticas de todo o continente. “Não sabíamos que tínhamos tantos modelos em matemática na África”, diz a Dra. Ouedraogo. “Eles existiam, mas eram invisíveis!” O folheto visa inspirar jovens garotas a seguir a matemática, apresentando mulheres bem-sucedidas. “Quando você tem um modelo, você vê alguém que teve sucesso e pensa: 'Por que não eu? Vou tentar e talvez eu tenha sucesso como ela.”

Quando eu era estudante, a única mulher que víamos na ciência era Marie Curie. Ela era a mais conhecida, mas ela nem estava na matemática — ela estava na física e na química. Esse era o único modelo que tínhamos. Infelizmente, ela não era do nosso país — nós vivíamos em uma cultura diferente.

O folheto também serve a outro propósito importante: lembrar às mulheres matemáticas, que frequentemente se encontram em minoria em laboratórios dominados por homens, que elas não estão sozinhas. “Elas podem ler as histórias e pensar: 'Vou me inspirar nela para resolver os desafios que enfrento'”, acrescenta Ouedraogo.

Além do seu impacto regional, a AWMA é altamente visível no cenário internacional. Ela mantém fortes conexões com o Committee for Women in Mathematics (CWM) e participa ativamente do World Meeting for Women in Mathematics. Este evento satélite do International Congress of Mathematicians, realizado a cada quatro anos, fornece uma plataforma para compartilhar as experiências da AWMA e oferecer insights sobre o estado da matemática na África.

Sucesso pessoal e envolvimento comunitário

O trabalho de Marie Françoise Ouedraogo impactou significativamente a comunidade matemática na África, particularmente na criação de oportunidades para mulheres. Ao fundar a AWMA, ela garantiu que as mulheres matemáticas africanas tivessem uma plataforma para compartilhar conhecimento, colaborar e defender sua inclusão no campo.

Sua história de sucesso não é apenas sobre superar obstáculos, mas também sobre criar espaço para que outros tenham sucesso. Por meio de sua liderança, mulheres matemáticas em toda a África ganharam acesso a recursos, redes e oportunidades que antes eram escassos, abrindo caminho para a próxima geração de mulheres na matemática.


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